Entrevista: o diretor Rodrigo Mac Niven fala sobre a importância das discussões geradas pelo documentário “Cortina de Fumaça”.
Luiza Judice (luizajudice@gmail.com)
Desde a estréia no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, em setembro do ano passado, o documentário Cortina de Fumaça (2010), que questiona a atual política de criminalização das drogas no Brasil e no mundo, vem sido exibido gratuitamente em diversas cidades do país. Completando um ano de existência, o primeiro longa-metragem do diretor e roteirista Rodrigo Mac Niven foi lançado oficialmente no dia 02 desse mês em cinemas do Rio, São Paulo e Brasília, acompanhado de sessões de debates e palestras sobre o tema.
Em parceria com o Coletivo Projects e com co-produção da TVa2 e J. R. Mac Niven Produções, o diretor carioca que também é jornalista conseguiu, sem qualquer tipo de financiamento das leis de incentivo fiscal, realizar o documentário, que foi selecionado esse ano para festivais de cinema de oito países. Influenciado por Maconha, livro de Denis Russo que fez parte de uma coletânea da revista Superinteressante, Rodrigo Mac Niven foi atrás de fontes especializadas além do território nacional para, dois anos mais tarde, conseguir finalizar a composição de seu longa de 94 minutos.
Em entrevista por email, o carioca que estudou cinema na Califórnia (EUA) falou sobre o processo de produção e distribuição do Cortina de Fumaça, da importância do documentário estar sendo veiculado e debatido em diversas cidades do país e comentou sobre seus novos projetos e planos para o ano que vem.
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Redator Online: A ideia inicial de divulgação do documentário sempre foi exibi-lo seguido de debates e palestras sobre o tema? As exibições e discussões tiveram alguma iniciativa privada ou foi tudo promovido de forma independente?
Rodrigo Mac Niven: Assim como toda a realização do filme, desde as pesquisas, produção, captação, edição e finalização, as exibições também aconteceram e estão acontecendo por iniciativa nossa e de pessoas de todo o Brasil, que se identificam muito com o filme e se estruturam para promover exibições em suas cidades. Fazer um debate após a exibição é muito bom porque dá para aprofundar algumas questões que mais marcam a plateia.
RO: Como o documentário foi recebido nas primeiras exibições no Brasil? E fora do país? Fale um pouco sobre o processo de divulgação do “Cortina de Fumaça” no exterior.
RMN: A receptividade foi excelente. A primeira exibição no Festival Internacional de Cinema do Rio 2010 foi fantástica, Odeon lotado. Todas as outras sessões do festival, que foram cinco no total, também lotaram. Tivemos uma exibição gratuita no Circo Voador, no Rio, que foi a melhor de todas: 1500 pessoas vibrando e aplaudindo, ou seja, muito melhor do que eu esperava. Fora do país também foi muito marcante. Ver plateia francesa, italiana e americana debatendo comigo esse tema internacional foi uma grande experiência.
RO: Em uma coluna de Marcia Peltier, no Jornal do Commercio, a jornalista afirmou que o documentário deve virar livro em 2012. É um projeto concreto? Já está em andamento?
RMN: Sim. Já estamos na fase de transcrição de todas as entrevistas. Foram muitas e bem extensas. A ideia é constituir um documento que seja referência desta questão, pelo menos no Brasil, sem esquecer que as entrevista foram feitas para um filme, não para um jornal. Por enquanto a estrutura seria um capítulo para cada entrevistado (são 34). Entre alguns capítulos, pretendo contar um pouco da minha “odisséia” pela informação. Minha viagem é secundária. O importante são as entrevistas.
RO: Quais seus documentaristas preferidos? Seu trabalho sofre influência direta de algum deles?
RMN: Todos do Michael Moore. Adoro a ousadia dele, mesmo que seja, em alguns momentos, agressivo e bem parcial. Zeitgest (do diretor Peter Joseph) também me influenciou muito.
Não tenho documentarista favorito, tenho diretores preferidos: Millos Forman, Clint Eastwood, Fernando Meirelles… um monte.
Gosto de doc (documentário) que instiga, provoca. Não sou muito fã do estilo “documentário direto”, câmera contemplativa que deixa as coisas acontecerem, com a suposta ideia de não interferência. Acho que meu trabalho sofre influência de todos, mesmo os filmes de ficção, gênero que pretendo incluir no meu próximo projeto documental.
RO: Qual o tema do seu próximo projeto? Será no mesmo formato de “Cortina de Fumaça”?
RMN: Estou trabalhando no roteiro de um média documental sobre armas. Será um doc para o Canal Futura e para o ano que vem. Em paralelo, estou pesquisando sobre dois temas que me interessam e que irão gerar dois longas: corrupção e reforma manicomial. Temas difíceis e que merecem bastante atenção e responsabilidade na abordagem, assim como o tema das drogas. Ano que vem vai ser interessante!
RO: O que significa, para você, um documentário como o “Cortina de Fumaça” – nacional, independente e que trata de uma temática polêmica delicada – conseguir a visibilidade que vem conseguindo?
RMN: Além de uma realização profissional, o doc significa uma realização pessoal como indivíduo, como cidadão planetário. Por trás do “Cortina de Fumaça” está um sentimento verdadeiro de transformação. Nesse sentido me considero um ativista revolucionário (risos), usando o cinema como arma e a informação como munição. O tema das drogas é apenas uma escolha de foco, uma escolha de onde apontar o holofote porque, pra mim, tudo está conectado. A sociedade é uma rede complexa de ideias, culturas, religiões, vícios e pede, constantemente, reavaliação e evolução. Tentar barrar isso é inútil. O Estado e suas determinações existem para nos servir e não para “se servir” de nós. E como filme independente, acho também que o “Cortina” abraça o sentimento que já se espalhou pelas redes sociais do mundo que cria “insurgências” não anunciadas… Nesse sentido, o filme é um grito a favor da liberdade de criação e expressão.
RO: Você acha que o país está avançando com relação à abertura para discussões sobre as políticas proibicionistas atuais?
RMN: Acho. Agora podemos dizer que temos um filme sobre o tema… aliás, dois (Quebrando o Tabu, de 2011). Nunca se ouviu falar tanto de maconha, uso medicinal, redução de danos, drogas ilícitas, política de drogas… palavras e expressões que só apareciam nos noticiários ao lado dos jargões jornalísticos pobres e limitados às visões proibicionistas e sensacionalistas. Agora sim está começando o debate.
Não havia debate. O que havia era um “samba de uma nota só”, entoado por radicais, religiosos e reacionários, sedentos por punição, prisões, armas, repressão. Agora eles terão que discutir com muita gente séria, inteligente e embasada, pessoas das mais diversas áreas da sociedade que já perceberam o fracasso dessa guerra às drogas e os reais interesses por trás dessa cortina de fumaça. Estamos no início da transformação! O fato das coisas serem como são, não significa que permanecerão sendo como são.
Leia também a crítica de Cortina de Fumaça.